quarta-feira, maio 09, 2007

Texto 2 - Desiguais


Terça-feira noite, calor agradável de outono num céu carregado e nublado, primeiras gotas de uma chuva mansa anunciando a frente fria que despencaria a temperatura no dia seguinte... O transito sempre agitado, muitos carros no cruzamento movimentado, onde ficamos nós os atletas, expostos na vitrine mais estranha da cidade. Em pleno cruzamento intenso, uma academia com imensas janelas voltadas pra rua num semáforo. Não podia dar outra, qualquer carro que pare no semaforo, por longos 3 minutos fica nos observando nas esteiras, ergométricas, elipticos na nossa agitação aeróbica queimando calorias em busca de menos barriga....mas ontem foi diferente, não fomos o centro das atenções.
Dois carros se tocaram, acho que mal se arranharam mutuamente pois de onde eu estava pude apenas ver um arranhão no carro preto, este um carro soberbo, importado, daquele muito caro. Saiu de dentro um homem bem alinhado, com aspecto muito tenso. O carro prata tambem sobre a calçada, também muito novo e muito caro. Dentro uma mulher nos seus 40 anos travestida de executiva que ainda nao tinha saido do carro e nervosamente ligava pelo celular para numeros e mais números.... Logo a diferença desigual se estabeleceu.... Explicar é necessário: o carro preto tocou a traseira do carro prata.
O homem, numa olhada mais atenta mostrou o motivo. Era negro, o terno que vestia na verdade revelou-se um uniforme, o sapato bem cuidado, porém de marca barata e a preocupação intensa que ele ostentava no rosto. A mulher, loira falsa, roupa de mal gosto (tailler claro e sapato de salto altissimo estampado), caderninho de rabiscos na mão e ainda falando ao celular....
Finalmente ela desce do carro e segue-se uma discussão acalorada entre muitos gestos, a mulher mais exaltada, o homem sucumbindo, quando parece que chegaram a um acordo e trocaram numeros de celular, provavelmente para que detalhes da futura funilaria pudessem sem acertados, quando vejo a mulher sacar do celular e pedir para o homem fazer pose.. ele é fotografado contra a luz, ao lado do carro dele, ao lado do carro dela, próximo do tal "arranhado", e numa postura de humildade, o homem ainda sorriu para as fotos do celular..... Sorriu na humildade de querer parecer bem na foto e causar uma melhor impressão. O sorriso triste de quem sabe que estava sendo previamente fichado pela polícia através da mal-vestida-loira-agua-oxigenada-sapato-feio. Entendia-se que na verdade o cara dirigia o carrão importado do patrão, e como ele bateu na traseira da loira pedaçuda, teve de se sujeitar a essa incovenciência e que com certeza estava muito preocupado com o tamanho do rombo no orçamento dele que aquele pequeno acidente iria causar, muito mais do que a mulher e suas fotos.
Isso tudo enquanto eu estava no elíptico... a revolta foi um ótimo motivo para se exercitar por 30 minutos sem perceber o esforço feito, resolvi parar de me irritar assistindo ao espetáculo da desigualdade, havia toda uma outra sequencia de exercicios me esperando com menos campo visual pra se perder em reflexões no espelho. Realmente, fui lá refletir....

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